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TVTEC Blog com Pedro Fávaro Jr.
05
março 2018

Da ‘Rosa’ e de crianças

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Pedro Fávaro Jr.

Olho a foto. As fotos. Não, não é da “hecatombe” da Segunda Guerra. Assim mesmo, não tem como: recordo Vinicius de Moraes e a sua “Rosa de Hiroshima”. Cresci influenciado por aquele cogumelo. “Pensem nas crianças, mudas telepáticas!”.

Penso no verso, no poema inteiro, contido no olhar o menininho de quatro anos, talvez menos, abaixado, num canto de muro, protegendo a cabeça do irmãozinho de dois das explosões e balas nas ruas de Alepo, Ghouta ou de algum lugar arrasado da Síria. Como se ele mesmo fosse indestrutível.

Em que eu me assemelho a ele? Em que você se assemelha a ele? O que nos move e emociona quando vemos aquela criaturinha no papel frio da fotografia? As fotos me fazem olhar para o mundo de hoje a achar que a Rosa de Hiroshima era só um botão.

Continuo reversejando: Vinicius.

“Pense nas meninas, cegas, inexatas…” Nossa semelhança não pode vir só do silêncio doido da menina, também síria, suja da poeira dos edifícios destruídos e tingida pela fuligem das bombas, segurando firme a máscara de oxigênio no rosto da irmãzinha inerte.”Pense nas mulheres, rotas, alteradas… nas feridas, como rosas cálidas…”

Eu penso ao olhar outra foto, da rua encharcada de água vermelha do sangue dos seres humanos esmagados nos escombros dos edifícios bombardeados e me dissolvo em nada. E me liquefaço, ao ver a figura da avó de braços erguidos, lamentado a destruição e a morte do netinho de seis, talvez sete aninhos, estendido aos seus pés…Do pai carregando o bebê de não mais que cinco meses, ensanguentado.

O que preciso fazer para reencontrar a semelhança com essas criaturinhas inocentes, frágeis, impotentes, aterrorizadas? O que fazer por elas? Como defendê-las de tanta impiedade? Uma prece? Um donativo? Um olhar? Um texto? O que isso muda? Como me livrar e livrá-las dessa impotência diante dos aviões, tanques e dos infantes truculentos de tantos exércitos, de tantas nações, de tantos comandantes e tantos deuses inclementes?

Alguém me diz que elas não estão aqui. Que estão longe. Não. Não estão. Estão aqui. Mental e geograficamente em mim, impressas na minha alma. Fora de mim, em toda a periferia da humanidade. Dizimadas, na Síria. Famélicas, na África. Desassistidas entre nós, nas fronteiras ribeirinhas ou nos morros de nossas urbes. Companheiras da minha criança solitária, faminta, indefesa, oprimida e assombrada no meio de tanto desamor.

Estão comigo, na busca de um quintal, um espaço onde possam brincar, rever os pais ou mães perdidos com a guerra. Acompanham-me na jornada para romper um mundo adulto, ganancioso, cercado de impossibilidades, surgido muito antes da Rosa de Vinicius, julgada definitiva – mas que era provisória. Inacreditavelmente passageira. Rosa que não me sai da cabeça, como essas crianças. Como a criança que ainda busco em mim. Como as nossas crianças.

“…Oh!, não se esqueçam da rosa, da rosa… Da rosa de Hiroshima, a rosa hereditária… A rosa radioativa, estúpida e inválida. A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica. Sem cor, sem perfume… Sem rosa, sem nada”.

Crianças e a rosa! Impossível esquecer, poeta.

Impossível não associar.

Impossível.



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