GRITO DE MULHER
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Há um silêncio pesado a nos inquietar
e nos mover, nos travar e como que a pulsar
em nós, por nós, contra nós, ao mesmo tempo,
numa espécie de transe paradoxal e enlouquecedor.Â
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Quem me diria o que vê, ao me olhar
aqui, assim, imóvel, parada, feito mulher
e estátua ao mesmo tempo? Aproveitada
do disfarce de solene desta noite,
 para ter na felicidade de momentos, na ribalta,
num ponto mais alto do que a pia,
do que a máquina de lavar roupa,
devolver os desaforos do marido, dos filhos e vizinhos,
da inveja das comadres e de tantos abusos
das autoridades e de quem pensa que é alguma coisa…
Estar num lugar acima de qualquer suspeita,
de onde possa reclamar as liberdades
que me escaparam ou as que foram solapadas,
roubadas, de onde possa bambolear
com os cÃrculos sociológicos e antropológicos,
concêntricos, das convenções chatas e falsas
que esmagam e das quais ninguém escapa.
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De onde eu posso zombar de tudo,
ainda que temporariamente, enquanto fala em mim
a persona, a personagem, a personalidade que deveria ser,
mas não pôde, nunca pôde ser e talvez nunca venha a ser
por mais que eu queira, que minha alma assim deseje.
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Aqui estou mulher premida em todos meus anseios.
Nó na garganta. Engastada na vida. Engasgada.
Órfã. Atávica. Ôntica. Morta de saudade da infância.
Do pai perdido cedo, mãe lutadora que se foi…
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E dos irmãos afastados, que se enveredaram
cada qual por seu caminho e dos quais resta
quase que só o laço genético, do sangue
que aos poucos se exaure… se exaure…e seca
Morta, mortÃssima de saudade de um passado
tão recente e tão distante, secular. Bendito banzo.Â
Bendita saudade que me põe e faz me ver só,
mulher, com o direito de, daqui, desse foco de luz tênue,
filosofar, pensar na vida e falar dela alto.
Gritar. Gritar e gritar!
Romper as linhas, as dimensões
que me limitam e me cercam e me cerceiam e matam.
Para arrancar daqui de dentro,
com o eriçado fórceps das mágoas,
tudo o que é frustração, decepção ou culpa.
Tudo aquilo, mesquinho, que pareceu que foi, mas ficou.
E está. E cresce. E fermenta.
Os tropeços em pedras postas no percurso.
E as próprias pedras. E a viagem. E o caminho.
Ah, esse vazio no coração que não sou eu
E ao mesmo tempo consome assim a alma!
Como fazer para me livrar de mim?
Onde buscar, em que paragens, de novo a calma?
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Introspecta, fixo o olhar no meu umbigo
E nada mais vejo, desejo, anseio ou busco
Que não me leve a entediar-me sempre comigo
Sem nenhum brilho, que a todo brilho assim ofusco.
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Em que porto, de que modo, extravasar,
Atravessar o ser em mim que não me importa,
Essas tristezas, o amargor que o passado evoca?
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Sei que hoje, me decidi, por nova busca,
Quem sabe, buscar mais outros, negar a dor
E restaurar a alma, que jaz mais do que morta.
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Ah! Outro! E mais outros!
Tantos difÃceis lados em mim
Que não são eu.
Como olhar essa outra,
E poder querer bem
Neste rosto que eu sou,
Mas não é meu?
Creio agora
que os opostos em tudo
Também se encontram em mim.
E sou o que são eles
Cada um de tudo
E os dois
E só serei plenamente quem eu sou
Quando deixar que se enlacem
As esperanças e desesperos
Do eu quem sou
O saber dessa minha unidade
No que antes parecia contraditório
Disperso, perdido, mas está
no que me faz irmã e irmão de tudo e todos
Como se tudo e todos, o único e transversal,
Embora sem pertença, fossem meus.
Percebo tudo a existir
No diferente de mim
E concluo ser esse o motivo
 Para que tudo exista.
E por isso,
em que pese a mágoa,
Que doa a dor,
Que arda o inferno,
Que vibre o céu,
Mulheres, mulher,
Existo Eu e me completo
Nas tantas mulheres
Da mulher que sou!
(Extrato do monólogo “Grito de Mulher”, escrito em 2010 em homenagem à professora e bailarina Eliana Brega criadora do Enredança e inspirado na poetisa Florbela Espanca)
Que bom encontrar você aqui, Fessora. Eu não desisto nunca. Se você está inspirada, sua força será minha força. Vamos lá. Nada acontece por acaso neste universo de Deus. Se for a hora, vamos em frente. Como faremos?
O que me inspira sempre é a atitude das pessoas diante dos desafios. Vivo e vivi com mulheres que são verdadeiras amazonas: minhas avós Matilde e EmÃlia, minha mãe Vilma, muitas de minhas tias fantásticas e algumas que ousaram romper paradigmas do tempo delas, minha mulher Sônia, minhas filhas Tatiana e Mariana. Outras mulheres colegas de profissão e entre as amigas a Eliana Brega que me inspirou o Grito de Mulher. Se houver quem me traga inspiração, a força surgirá. Obrigado pela consideração. Muito obrigado mesmo.
Bravo, bravo, mil vezes bravo!!!!!! Você fez por merecer tamanha inspiração e continua merecendo , pois a sua força não para!!!!!
Bom dia, “ex-chefe”!
Fui pega de surpresa logo que abri meu celular.
Como meu dom é movimento e não palavras escritas, fico um tanto muda diante de tal homenagem, que já soube foi feita na abertura do evento. Acompanhei a divulgação por aqui, mas se soubesse que seria homenageada teria superado o cansaço depois de um dia de trabalho, superado o receio de dirigir a noite nestas estradas que ligam Jarinu a Jundiaà (principalmente em dias que as águas caem sem aviso e as tornam mais perigosas ainda) e estaria lá!
Mesmo assim agradeço a quem teve a ideia da citação, o que significa que ainda estou presente na memória artÃstica e cultural de Jundiaà por tudo aquilo que represento e representei ensinando e transformando a vida das pessoas. Afinal poderia ter sido qualquer outra mulher.
Pedro Fávaro Júnior, ainda está em tempo de ensaiarmos nosso monólogo!
Beijos