Marchinhas de Carnaval que estão tatuadas na memória popular
Para falar delas, das marchas, é preciso lembrar que a história do carnaval brasileiro começa em 1835, portanto 176 anos atrás quando xote, polca, valsa, quadrilha, mazurca, charleston e o balanço da Europa embalavam os salões do Brasil. As marchas de Carnaval surgiram um pouco mais tarde. São um gênero de música popular predominante dos anos 20 aos anos 50 do século 20. Será? Muitas delas tornaram-se inesquecíveis. Aqui vamos recordar aquelas que parecem estar para sempre no coração dos brasileiros.
A primeira delas foi uma composição de 1899 de Chiquinha Gonzaga, intitulada “Ó Abre Alas“, feita para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro. E é cantada até hoje em muitos lugares, com a letra modificada, mas o refrão persistindo: “Ô Abre Alas que eu quero passar…” Ouça a marcha original, composta no final do século 19, clicando aqui.
Carnaval e cachaça
Mas a mais popular foi composta em 1956, por Mirabeau, M. de Oliveira e Urgel de Castro:“Turma do Funil” . Seu refrão conhecido pelos quatro cantos do país, talvez seja uma metáfora do fato dele ser o 49.º em consumo de bebidas alcoólicas per capita, num ranking de 193 países avaliados pela Organização Mundial de Saúde (MS) em 2016. O brasileiro consome cerca de 9 litros por ano e supera a média internacional, de 6,4 litros por pessoa. O Brasil é o 3.º país na América Latina e o 5.º em todo o continente com o maior consumo de álcool per capita, ficando atrás apenas de Canadá (10 litros), Estados Unidos (9,3 litros), Argentina (9,1 litros) e Chile (9 litros). Dá para explicar o sucesso do “Chegou a turma do funil//Todo mundo bebe mas ninguém dorme no ponto.//Há há há há, mas ninguém dorme no ponto//Nós é que bebemos e eles que ficam tontos”.
Na linha de beber para festejar, registre-se a obra clássica de Carnaval que é “Cachaça não é água” do jornalista baiano Marinósio Trigueiros Filho . Nascido em 1914, criou, na década de 1940, um grupo ao qual deu o nome de Afoxé, termo de origem afro que só mais tarde seria utilizado pelo grupo carnavalesco Filhos de Gandhi. Nos anos 1940, ele foi para o Uruguai com seu grupo que cantou ao lado do astro Ary Barroso, e gravou uma série de discos pela Sondor, maior gravadora do país platino, o primeiro com Cachaça não é água. O sucesso da marchinha só veio mesmo em 1953, nas vozes de Carmen Costa e do comediante Colé Santana no Rio, quando ela ficou campeã de um concurso de marchinhas do Carnaval.
Só que os compositores que estavam recebendo os direitos autorais eram outros: Heber Lobato e Lúcio de Castro. Marinósio levou sua gravação uruguaia para o Rio de Janeiro e denunciou o plágio. O então presidente da União Brasileira de Compositores, Ataúlfo Alves, mediou um acordo. Marinósio ficou com 60% dos lucros – que não eram e não seriam poucos ao longo dos anos. Os dois plagiadores levariam 15%, sob a justificativa de que melhoraram a letra da segunda parte…
Pierrôs e colombinas
Composição de Noel Rosa, nascida a partir de um desafio de João de Barro, o Braguinha, feito a Noel em 1934, “As Pastorinhas” não fica atrás em popularidade de nenhuma das marchinhas anteriormente mencionadas. Continua viva até hoje em nossos carnavais de salão e nas folias dos blocos de rua. Braguinha queria uma marcha como a das pastorinhas que desfilam na Vila Isabel, no Dia dos Santos Reis. Quem ganhou foram os brasileiros. Nascida como “Linda Pequena”, a canção está na memória do povo.
“Bandeira branca, amor – não posso mais! Pela saudade, que me invade eu peço paz”... Muitas marchinhas pedem trégua à amada ou amado. “Bandeira branca” , escrita por Max Nunes e Laércio Alves em 1970, é uma delas. Alguns especialistas dizem que ela com seus versos melancólicos e românticos pôs fim ao tempo das canções carnavalescas inaugurado em 1916/17, com o samba Pelo Telefone. A marcha-rancho foi consagrada pela voz potente da popularíssima Dalva de Oliveira e ganhou espaço nos salões. Depois vieram os sambas-enredos, cada vez mais acelerados no ritmo para garantir as passagem as escolas e a pontuação nos sambódromos…
“Máscara negra” de Zé Keti e Pereira Mattos (1967) é uma dessas consagradas, que faz o coração trepidar de paixão no meio da multidão de pierrôs e colombinas mascarados. Gravada pelo próprio Zé Keti e, depois, por Dalva de Oliveira (no álbum A Cantora do Brasil), a canção venceu o Primeiro Concurso de Músicas para o Carnaval, recém-criado pelo Conselho Superior de Música Popular Brasileira do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
Esta pequena lista é só para trazer boas recordações dos carnavais passados e animar o Carnaval 2020. Não é assertiva. Não é conclusiva. Caberiam nela dezenas de outras marchas inspiradas de compositores brasileiros, levados em tantas outras vozes preciosas iguais às das intérpretes mencionadas aqui. Para fechar, nada como lembrar um compositor, escritor, ator do naipe de um Mário Lago, que em parceria com Roberto Roberti, em 1941, produziu um dos maiores sucessos de Carnaval de todos os tempos, a marcha “Aurora”. Se quiser saber mais sobre a música e esse artista extraordinário que foi Mario Lago, assista abaixo a entrevista que ele deu à TV Cultura de São Paulo.
(Por Pedro Fávaro Jr/ Imagem: Pixabay)
ENTREVISTA DE MÁRIO LAGO SOBRE ‘AURORA’ E OUTROS TEMAS