Em Berlim, músicos vizinhos se unem para concertos nas janelas
Um pianista finlandês. Uma cantora norte-americana. Um contrabaixista japonês. Um flautista, uma violista e dois violinistas alemães. Além de serem músicos profissionais que tocam em diferentes grupos, eles têm em comum o fato de viverem em um conjunto de prédios no bairro de Charlottenburg, em Berlim (Alemanha). Com apresentações canceladas por conta da pandemia, decidiram se reunir para tocar a Ode à Alegria, de Ludwig van Beethoven.
A escolha da peça de Beethoven trazia, entretanto, um desafio. Era preciso um arranjo que contemplasse os instrumentos tocados pelos moradores do prédio. Foi aà que Julia e seu marido, o jornalista brasileiro Guilherme Conte, resolveram convidar para a tarefa o compositor Leonardo Martinelli, que vive em São Paulo. “A combinação de músicos era um tanto incomum”, observa Martinelli, que, naquele final de março, sentia a perda de duas importantes referências no meio da música clássica, vÃtimas da covid-19 – a maestrina Naomi Munakata e o maestro Martinho Lutero Galati. “Disse que faria, sim, o arranjo, até como uma forma de processar esse luto e honrar a causa artÃstica desses dois maestros. Fiz em apenas um dia, tomado por sentimentos antagônicos”, relembra o músico, que, em dezembro do ano passado, estreou uma ópera sua no Theatro São Pedro, em São Paulo, O Peru de Natal, baseada no conto homônimo de Mário de Andrade.
Nas primeiras apresentações no condomÃnio, uma das dificuldades era os artistas ouvirem uns aos outros. Enquanto a soprano norte-americana Sarah Fuhs cantava no térreo, por exemplo, os instrumentos que a acompanhavam estavam três ou quatro andares acima. Além disso, o grupo não utiliza qualquer tipo de amplificação de som – exceto quando o finlandês Sami Väänänen, marido de Sarah, toca piano, já que o instrumento fica distante das janelas, no meio da sala. Para melhorar a sintonia entre os músicos, a saÃda foi Väänänen assumir o posto de regente, a partir do pátio do edifÃcio.
Com o isolamento social, Sarah acredita que as pessoas têm ainda mais vontade de ficar conectadas com os outros. “Acho que artistas certamente podem ajudar a suprir essa necessidade, agora mais do que nunca – pode-se ganhar menos dinheiro, mas as recompensas emocionais provavelmente nunca foram tão intensas e gratificantes”, diz ela. “Shakespeare já sabia, e agora todos estamos experimentando isso: o mundo inteiro é um palco, incluindo o parapeito da janela.”
A orquestra de vizinhos já tem até nome – Homecastle Symphony Berlin – e acaba de ganhar um canal próprio no YouTube.
(Fonte: R7/Foto: Guilherme Conte)