Natureza, o espaço privilegiado para o aprendizado integral
A coordenadora de Educação do Instituto Alana, professora Raquel Franzim, deu um show ao abordar os caminhos para as explorações, pesquisas e descobertas das crianças em isolamento, na teleconferência Educação em Tempos de Pandemia, programa transmitido ao vivo, pela TVTEC nas redes sociais (Facebook e YouTube) e no Canal 24 da NET. A gestora de Educação de JundiaÃ, professora Vasti Ferrari Marques, é a mediadora do programa.
O foco principal foi a aprendizagem integral que muda o foco, a ideia de que corpo parado e obediente é corpo que aprende. A especialista reiterou que a natureza é o espaço privilegiado para a aprendizagem e desenvolvimento da construção da experiência humana.
VASTI – Vamos conversar um pouco sobre a infância rica em natureza. Como podemos fazer com que as crianças, adolescentes, que as pessoas possam se encontrar com a natureza, mesmo num contexto urbano, pavimentado, no meio de tantos prédios?
RAQUEL – Primeiro, a gente precisa se debruçar sobre o lugar do corpo na nossa vida. Qual é o lugar do corpo? A gente vive dominado pela ideia de que o corpo parado é o corpo disciplinado, é o corpo que aprende. Não a toa, nossas escolas são organizadas com espaços e mobiliários de controle do corpo. Para pensar na natureza, é preciso pensar no corpo.
Construção de experiências
O corpo não é separado dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento, de construção de experiências humanas. O que a infância precisa – e infância entendida do zero aos 18 anos – é de um espaço para que esse corpo possa mostrar toda a sua potência.
Lugar das possibilidades
Esse espaço privilegiado é o espaço da natureza, ao ar livre. É o espaço do encontro. A natureza é o lugar repleto de interações e chamados ao corpo – chamados de possibilidades, de iniciativas consigo mesmo ( de recolhimento, de silêncio, de apreciação) e de relação com os outros, de colaboração, empenho em soluções, a uma infância que elimina a ideia de que o corpo parado é melhor, o corpo quietinho, obediente, paralisado impede a aprendizagem. Uma infância rica em natureza é uma infância de corpo inteiro, nesses espaços de amplos movimentos.
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Depois de ver o exemplo dos gêmeos Pedro e Gabriel, alunos da Emeb Ramiro Araújo filho, brincando e criando a partir de elementos naturais e outro exemplo do garoto Diego Duarte, de três anos, da Emeb Helena Galimberti, pergunto: a experiência desses meninos está na linha do que falamos aqui?
Que experiência é essa? Nós adultos muitas vezes vamos privando os meninos e as meninas dessa experiência quando os colocamos enfileirados, quando queremos que façam cópias sem sentido, quando queremos que o silêncio impere porque acreditamos que no silêncio e quietude é que se aprende, quando nem sempre é assim…Como a gente incentiva a criatividade por meio da brincadeira na natureza?
A brincadeira livre é essa expressão do corpo, do movimento, das iniciativas das crianças. E quanto mais livre no sentido de livre iniciativa, criação, sobre o conteúdo narrativo, na exploração dos materiais e dos espaços, mais potência de imaginação ela tem.
EquilÃbrio interno
Esse lugar, falando da natureza como ponto de equilÃbrio interno, de desenvolvimento integral, isso ocorre porque quando a gente está com o corpo inteiro esse benefÃcio não se restringe apenas à saúde fÃsica, mas se expande para toda uma saúde integral, como a gente chama – o desenvolvimento emocional, para os aspectos sociais, os aspectos cognitivos.
Isso não está separado da experiência fÃsica da criança, dentro dos espaços. E os espaços naturais, ao ar livre, como espaços privilegiados para esse corpo potente sobre o qual falamos aqui.
Bem-estar
Mas é importante pensar que esse equilÃbrio interno – a gente encontra evidências cientÃficas bastante consolidadas – produz a sensação de bem-estar, para a melhora dos hábitos alimentares, para uma menor propensão à obesidade, entendida aqui como um problema mundial que afeta diretamente as crianças com esses corpos muito confinados aos espaços fÃsicos fechados, à s atividades mais sedentárias dentro e fora da escola.
Esse equilÃbrio interno vem de uma atividade integral da criança que, prioritariamente, é o brincar, mas que não pode ser entendido como algo apenas na educação infantil.
Aprendizagem do corpo
O corpo, a aprendizagem pela experiência corporal ela também tem lugar em toda a educação básica e aà a gente está falando no ensino fundamental, nos anos iniciais e finais. Se a gente olhar a base nacional curricular comum, o próprio currÃculo da cidade de Jundiaà privilegia, não separa, a aprendizagem do corpo.
A natureza convida a aprender uma série de conteúdos não só entendidos como conhecimento intelectual, mas também o conhecimento de fazer, de ser, de ter valores…
Ela oportuniza que esses conteúdos estejam contextualizados num território impregnado de desafios a serem resolvidos. A natureza convida a gente a resolver os desafios, a solucionar coisas, e isso tem tudo a ver com as competências gerais que a gente pode desenvolver ao longo da vida, na educação básica… E além de tudo e um direito.
Criança e direitos
Em julho o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 30 anos. E ele coloca a criança como uma pessoa com direitos de conviver e circular pela cidade, pelos territórios, sempre mediada pelos adultos e outras crianças, sempre.
Esse direito tem uma enorme conexão com todas as aprendizagens que a gente pode fazer ao longo da nossa trajetória escolar que é aprender a ser, aprender a conviver, é aprender a resolver problemas com os outros. Então esse equilÃbrio interno, esses benefÃcios na saúde fÃsica, precisam ser enxergados como benefÃcios para o processo de educação das crianças.
Vamos falar da importância dos espaços para os brinquedos não estruturados. Para isso, vamos observar uma aluna chamada Jade, da Emeb Maria Aparecida CongÃlio. A Jade está brincando com sombra.
É encantador como o cotidiano, as experiências mais simples pode ser extraordinárias para as crianças. A gente tem muito que aprender com elas. As famÃlias que nos acompanham, com todas as dificuldades e problemas da pandemia, a oportunidade de passar um tempo prolongado com as crianças mostram como o olhar delas é transformador.
A Jade mostra que as crianças são muito ativas e curiosas. Que elas inventam brincadeiras o tempo todo. E por que inventam essas brincadeiras?
Linguagem do brincar
Porque o brincar é uma linguagem, assim como o falar, escrever, cantar, pintar… O brincar é uma linguagem do corpo, e de um corpo que imagina, sente e inventa. As crianças precisam de muito pouco para brincar. Pode parecer absurdo, mas não é.
A gente está permeado por uma sociedade de muito estÃmulo ao consumo e a gente se acostumou a entender que as crianças brincam porque têm brinquedos. Mas a Jade e tantos outros exemplos que podemos relembrar, mostram que as crianças precisam de muito pouco. Quanto menor, mais simples os elementos, por isso a importância dos materiais naturais, mais criativa será a brincadeira.
Grandeza da imaginação
A educadora, que é conselheira do Território do Brincar, iniciativa de pesquisa e escuta das crianças, a LuÃza Lameirão, em um dos livros dela ela tem um trecho que diz assim: “A grandeza da imaginação depende da gama de vida sensorial que está à s nossas mãos”. E aà eu pergunto: qual é a vida sensorial de um plástico? Ele é frio, ele tem algumas cores, ele geralmente tem uma manualidade limitada.
Qual é a vida sensorial de um graveto? De uma folha? De uma concha? De uma flor? É muito grande. A imaginação – e para a ciência imaginação é inteligência – está diretamente vinculada à materialidade, à diversidade de vida sensorial. Qual é o espaço social que oferta, de maneira sustentável, acessÃvel, uma vida sensorial diversa? A natureza!
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