Passageiros fazem festa no metrô com direito a bolo, salgadinhos e até cerveja
Quando o relógio marca 4h55, um pequeno tumulto se forma na estação do metrô da Pavuna, na Zona Norte do Rio. A primeira composição sai às 5h, e alguns passageiros se acotovelam para garantir lugar no vagão mais animado do trajeto: o penúltimo carro, onde os passageiros organizam todos os dias uma verdadeira festa, com direito a salgadinhos, bolo e até cerveja. A bagunça percorre toda a Linha 2 do metrô e só acaba em Botafogo, quando o desembarque é obrigatório.
Na manhã desta quarta-feira, o clima era de festa junina. Com chapéu de palha e camisa xadrez, os passageiros faziam circular no vagão os quitutes: uma bandeja de pastéis, outra de coxinhas, uma travessa com batatas doces cozidas, um prato cheio de sanduÃches, um bolo de formiga e um pote de pé-de-moleque, além de café, refrigerante e cerveja. Os mais animados dançaram quadrilha no corredor da composição, enquanto outros gritavam frases como: “Olha a cobra, é mentira!”.
“Nos conhecemos aqui e criamos uma famÃlia. Todo mundo se respeita, todo mundo se ama”, diz Rosane Paiva, de 60 anos, que trabalha em um consultório odontológico em Copacabana. Conhecida como Tia, Rosane é uma das mais empolgadas do grupo. Quando ela embarca, em Coelho Neto, terceira estação a partir da Pavuna, é recebida com palmas e gritos. “Nasci no dia 31 de dezembro e sempre fui festeira. A gente vai brincando o trajeto todo. Acho que um dia vamos ser expulsos do metrô”, diverte-se ela, que não dispensa uma latinha de cerveja antes de pegar no batente: “É para acordar”
As comemorações são combinadas previamente em um grupo de WhatsApp formado pelas pessoas que pegam todos os dias aquele mesmo vagão. Lá, eles decidem o que será levado para comer e beber e fazem a divisão dos valores. Ninguém sabe dizer ao certo quando começou a tradição festeira do penúltimo vagão da primeira composição da Linha 2. Uns falam que surgiu há dois anos, outros estimam que a bagunça já acontece há mais de cinco anos. “Antes, cada um tinha um grupinho, depois fomos nos reunindo. Hoje, é essa festa sempre. Ninguém aqui precisa de motivo para comemorar”, diz o porteiro Armando Rangel, de 39 anos.
O grupo é formado por passageiros que moram em diferentes regiões da cidade e acabaram se conhecendo por fazerem o mesmo trajeto e sentarem no mesmo vagão. Tem gente que mora na Zona Oeste, como a auxiliar de cartório Margarete Carmo de Melo, de 40 anos, que vem de Campo Grande e trabalha no Centro, e há quem more na Baixada Fluminense, como o motorista Alessandro José do Nascimento, de 48 anos, que mora em Nova Iguaçu e trabalha em Copacabana. “Eu sempre peguei esse metrô, mas conheci o penúltimo vagão por acaso, há dois meses. Entrei no penúltimo vagão por engano, comecei a ver a bagunça e acabei gostando. Agora, não saio mais daqui”, conta a enfermeira Lucia Regina Franco de 38 anos.
O marinheiro Luiz Antônio Viana, de 65 anos, também entrou na festa de penetra e acabou ficando. “Eu gostava de dormir no metrô. Um dia, entrei nesse vagão por engano e ninguém me deixava dormir. Fiquei incomodado no inÃcio, mas acabei entrando para a turma”, conta ele, que trouxe o pote de pé-de-moleque nesta manhã e foi recebido com os passageiros cantando: “Lá vem o negão, cheio de paixão…”
Os festeiros reconhecem que a barulheira não agrada a todos. Embora o grupo não use nenhum dispositivo de áudio, que é proibido pelo Metrô Rio, a cantoria rola solta durante toda a viagem. Segundo relatos, já houve até quem comprasse um tampão de ouvido para diminuir o incômodo.
Nesta manhã, enquanto a Tia rebolava ao som de “A nova loura do Tchan”, um momento de tensão se formou quando uma passageira gritou, de longe, uma palavra de ordem: “Silêncio!”. Os passageiros se entreolharam e, ao verem que a crÃtica era apenas uma brincadeira, começaram a gritar, em um coro bem ritmado: “Silêncio, silêncio, silêncio”.
(Fonte: Extra Globo/Imagem: Fabiano Rocha/Agência O Globo)