“Com o HIV se convive, a luta é contra o preconceito”
Em Jundiaí desde 2014, Eme Gonçalvez veio para a cidade para se formar em Produção de Eventos. Eme é produtor autônomo de shows, sempre em busca de oportunidades e trabalho. Neste domingo (1), Dia Mundial de Luta contra a Aids, ele conta como e quando começou sua vivência com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) que provoca a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) e a batalha – não contra o vírus – mas contra o estigma e a desinformação que ele carrega e que produzem medo e preconceito.
“Minha convivência com o HIV começou em fevereiro de 2016 quando recebi o diagnóstico de AIDS. Meu CD4 (um dos exames de carga viral) na época estava em 11%, fato que permitiu a instalação de uma doença oportunista. Em razão dos sintomas, que já duravam dois meses, eu procurei então o atendimento médico em uma UBS de Jundiaí”, recorda. Mas lembra também que essa “convivência com o vírus” deveria ter começado em janeiro de 2014.
“Na época eu decidi doar sangue após uma reportagem sobre a importância de ser um doador. Fui até uma unidade da Associação Beneficente de Coleta de Sangue (Colsan) em São Paulo para coleta de sangue e exames antes da doação. Trinta dias depois, em fevereiro, recebi um telegrama para que eu voltasse a unidade para novos exames e a coleta de uma bolsa para doação”, informa.
Em 2016, Eme voltou à Colsan para retirar os resultados e descobriu que os dois exames feitos em janeiro e fevereiro de 2014 haviam dado positivo para HIV e que, por uma falha de comunicação, ele não havia sido informado passando assim dois anos sem tratamento e muito possivelmente tendo transmitindo o vírus.
Eme contou a história toda ao jornalista Pedro Fávaro Jr., do TVTEC News.
TVTEC NEWS – O maior desafio enfrentado até agora você disse foi o preconceito. Como é isso?
EME – Embora eu não tenha vivido situações de preconceito no meu dia a dia, o que tem sido um grande desafio pra mim é lidar com o medo e falta de conhecimento que as pessoas sentem e têm quando descobrem a minha sorologia positiva.
Quando a pessoa toma ciência de que tenho HIV ela entra em pânico, sente medo de ter sido infectada, da reação das pessoas mais próximas, medo das coisas que irá perder e medo da possível e até quase palpável morte.
Então lidar com a morte imaginária daquela pessoa é muito cansativo e desafiador porque você está ali na linha de frente que vai trazer a informação, apoio e calma para aquela pessoa.
O estigma da morte lenta e dolorosa aliada a punição por algo pecaminoso é um grande, talvez o maior problema quando se lida com as pessoas.
Quebrar certos conceitos e levar a informação de que uma pessoa com HIV hoje vive igual e até melhor que uma pessoa sem o vírus é um desafio, um grande desafio
As pessoas, no passado, tinham medo dos remédios, dos coquetéis, em razão das reações negativas, desagradáveis do corpo. Como é isso hoje, na sua opinião?
Hoje nós não fazemos uso dos tais coquetéis, ou pelo menos não na forma como a grande maioria das pessoas o entendem, ou o imaginam. Antigamente, no início do meu tratamento, eu imaginava que iria tomar muitos comprimidos, tipo uns 50, porém hoje o tratamento é feito com o uso apenas de um ou no máximo dois comprimidos. Há casos que se usam mais de dois, porém isso não é para a maior parte das pessoas. Com isso as reações são muito pequenas e as vezes nem aparecem. Eu mesmo tive apenas uma tontura nos dois primeiros dias, depois disso nunca mais senti nada relacionado ao remédio que tomo.
Quanto vale, num momento assim, o apoio da família e dos amigos?
O apoio no início desta convivência com o vírus é fundamental, é importante, é a força de que muitas pessoas precisam para que consigam resistir a uma depressão, aderir ao tratamento, buscar por informações, pelos seus direitos e por qualidade de vida. A questão mais difícil de ser resolvida é a de onde buscar esse apoio. Eu, no dia em que recebi o diagnóstico, sai da UBS andando sem destino e com um único objetivo, pensar em como eu lidaria com aquilo sozinho.
E por qual motivo sozinho? Onde afinal você foi buscar o apoio?
Primeiro porque sou de uma família religiosa que não aceita minha condição sexual e buscar apoio em um lugar desses não seria nem um pouco saudável para ninguém. Segundo, que eu não queria dividir o peso com a minha mãe (que me aceita e respeita) porque ela estava com alguns problemas pessoais na época. Terceiro, que eu não queria que as pessoas se compadecessem de mim como “o coitadinho gay que ficou doente”. Essa ideia me incomodava muito porque muitas pessoas são falsas e se compadecem por mera necessidade de parecerem “pessoas de bem”.
O apoio que me ajudou muito veio da informação que busquei com muita sede e dos profissionais do atendimento de saúde onde comecei o tratamento, o Ambulatório de Moléstias Infecciosas (AMI) em Jundiaí.
Após quatro meses lidando com isso sozinho e tendo o apoio da minha médica e dos outros profissionais recebi o diagnóstico de que com o tratamento eu já havia deixado o HIV indetectável no meu sangue, iniciando assim a recuperação do meu CD4 e baixando a praticamente zero o risco de transmissão. Após isso eu contei para minha mãe, amigos e posteriormente para a família.
Olhando para tudo isso, agora, o que você recomenda para quem tem que enfrentar a mesma luta?
Eu fico imaginando se eu mesmo pudesse ter me dado uma recomendação no dia que recebi o diagnóstico. Eu falaria o seguinte: – Não tenha medo! Busque informação e esteja disposto a quebrar preconceitos e esse medo irá embora. Perdoe-se! Cometemos erros para conosco e com outras pessoas, mas se começarmos perdoando a nós mesmos tiraremos um peso imenso das costas que nos ajudará a seguir em frente e ser mais feliz.
As respostas e a força estão dentro de você! O maior apoio está dentro de você, a vontade de reagir e mudar está lá basta achá-las.