Ex-correspondente de guerra vê Irã e EUA em momento de distensão
O TVTEC News ouviu nesta sexta-feira (10) um dos maiores especialistas em Oriente Médio do Brasil, o jornalista Moisés Rabinovici, ex-correspondente de guerra. Para ele, o momento é de clara distensão (relaxamento) do confronto entre Irã e Estados Unidos que, nesta semana, levou a tensão no Oriente Médio a um novo pico de alta e fez crescer também, na vida do cidadão comum, o medo de uma nova guerra mundial.
Primeiro, foi a invasão da embaixada norte-americana por miliciados iranianos, em Bagdá. Depois, o assassinato do general Qasem Soleimani, ex-chefe da Força Quds, no aeroporto da capital iraquiana, ordenado pelo presidente Donald Trump. E esta semana, por fim, houve a retaliação iraniana, bombardeando bases dos Estados Unidos no Iraque e acertando por engano um avião ucraniano, matando 156 pessoas.
Como isso bate no bolso dos brasileiros? E no dia à dia? Enquanto economistas tentavam avaliar as primeiras repercussões do embate entre Irã e Estados Unidos – com ações focadas no Iraque – os cidadãos comuns que acompanham o noticiário se perguntam sobre uma hipotética guerra que pode levar ao fim do mundo. Rabinovici falou sobre tudo isso.
Falou também sobre o livro “Escritos com a pele”, narrando suas experiências como correspondente de guerra, ele que já trabalhou para o Jornal da Tarde, O Estado de S. Paulo, Agência Estado de Notícias e Rádio Eldorado e atuou em Israel, Estados Unidos, Paris, Líbano, Cuba.
Foi enviado especial às guerras em Ruanda, Equador e Peru, El Salvador e Panamá, nos desdobramentos do assassinato de Yitzhak Rabin em Tel-Aviv, e cobriu o início de epidemias de Aids em São Francisco, Entebe e Nairóbi. Dirigiu o Diário do Comércio e na TV Brasil criou o programa Um olhar sobre o mundo, entre suas múltiplas atividades.
Você que é um dos mais qualificados e especializados jornalistas do planeta em Oriente Médio. Como enxerga a situação? Quais as reais possibilidades desse embate se transformar em uma guerra e crescer?
Moisés Rabinovici – Estamos observando hoje, após a represália que o Irã prometeu “feroz”, mas que não matou nem feriu ninguém, uma clara distensão. Trump e Khamenei cessaram fogo e a guerra verbal. Um foi cuidar de sua reeleição e de seu processo de impeachment; o outro enfrenta agora a acusação internacional de que o Irã acertou por engano um míssil russo no avião ucraniano que explodiu, matando 176 pessoas. Uma guerra regional, no Oriente Médio, está afastada, por enquanto. Só por enquanto.
Você sempre repete que a verdade é a primeira vítima da guerra e que outra das primeiras vítimas é a economia. O petróleo chegou a bater os 70 dólares por barril, ou quase 4% a mais de um dia para o outro. Como isso vai chegar ao Brasil, ao povo comum que no fundo apenas teme o fim do mundo ou que permanece ignorante ou indiferente a esses acontecimentos?
Os preços também aderiram ao cessar-fogo. As bolsas sobem. O preço do petróleo tende a baixar. A corrida ao ouro já está se redirecionando para o dólar. O governo estava se dispondo a bancar a estabilidade da gasolina e do diesel. Nem sei se será mais necessário.
Existe possibilidade, neste momento, de um termo de entendimento entre Irã e Estados Unidos, ou isso é utópico, considerando os investimentos trilionários do primeiro para manter o controle da produção de petróleo na região e, no caso do segundo, o rompimento do acordo nuclear para produção de urânio de baixo enriquecimento e a jihad – a guerra santa?
O Irã não se vingou do assassinato de seu general. Apenas deu uma satisfação a seu próprio povo, que gritou Morte a América por quatro dias de funeral, e mostrou aos Estados Unidos que dispara mísseis balísticos com pontaria, mesmo que o alvo seja não acertar ninguém. A represália virá com o tempo, de surpresa, como já aconteceu no passado. Na hora, no lugar e da maneira como os iranianos quiserem. Enfrentar uma guerra aberta? Não têm competência. Um duelo aéreo? Sua aviação está desatualizada. Se obtiver a bomba atômica, aí será outra história.
Lembro que no Oriente Médio o que vale é a linguagem da força. Khamenei e Trump até poderiam se dar bem, como se deram Anuar Sadat e Menachem Beguin, “a paz dos bravos”. Mas o clima eleitoral nos EUA não é propício. Já acusam o presidente de ter usado potências estrangeiras para se eleger – curiosamente, uma delas é a Croácia, pivô do impeachment em Washington e do avião abatido, em Teerã.
E a posição do Brasil em termos diplomáticos? Como você classifica?
Difícil classificar o inexistente. O Brasil se alinhou imediatamente aos EUA. Isso não é diplomacia, mas subserviência. Nem tinha embaixador em Teerã, em férias, quando o Irã queria entender a posição brasileira. Agora, o governo fala em manter o comércio com o Irã. Não será o Brasil que vai decidir se os iranianos vão ou não continuar clientes. São eles próprios – e, ao que parece, eles ficaram ressentidos.
Conte um pouco do seu livro ‘Escritos com a Pele’, lançado recentemente.
O livro mostra como escrever na cobertura de uma guerra me libertou de formatos e preciosismo paralisantes. Antes, era capaz de virar a noite procurando as palavras certas para uma abertura “perfeita” para levar o leitor até o ponto final. Desde que, no telex de Beirute, fui obrigado a “escrever com a pele”, como diziam os americanos, predomina a espontaneidade nos meus textos, como também a velocidade, o que me permite ter as noites para dormir e não ficar batucando um teclado. O livro traz a produção do que escrevi com a pele, sem passar o texto pelo departamento de maquiagem – ele vai direto do cérebro para os dedos. Fiz uma seleção de assuntos que podem ser úteis ainda atualmente, como a série da guerra do Líbano para entender, hoje, o cipoal libanês.
(Por Pedro Fávaro Jr. Imagens: Reprodução/TV Brasil e cedida pelo entrevistado)
Assista a entrevista do jornalista à TV Brasil sobre o livro “Escritos com a pele”
https://youtu.be/bv1VY0Xqs8o