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Socióloga aborda ‘Educação e Família’ em tempos do ‘imprevisível’

Publicada em 02/06/2020 às 10:57

O livro Arroz de Palma, do escritor Francisco Azevedo, deu a tônica da entrevista que a socióloga Lourdes Atié concedeu ao Educação em Tempos de Pandemia, transmissão ao vivo mediada pela professora Vasti Ferrari Marques, gestora de Educação de Jundiaí e levado ao ar levado ao ar todas as quartas-feiras, ao vivo, pela TVTEC nas redes sociais e no Canal 24 da NET. O tema foi A Escola e Família – Juntas por Todas as Crianças.

A gestora de Educação Vasti Ferrari Marques e a socióloga Lourdes Atié

“Família é um prato difícil de preparar”, foi a primeira frase lida, para que a conversa pudesse ser pontuada depois por palavras de estímulo para influenciar positivamente esse momento da vida da comunidade. No trecho lido o autor mostra de forma mais lúdica que literária, e com muito bom humor e clareza, o é que e como funciona a família. “Família é um prato que quando acaba, nunca mais se repete”, disse a socióloga parafraseando o autor.

VASTI FERRARI MARQUES – O que você poderia falar sobre essas colocações a respeito da família? Como é que nós juntos, famílias e educadores, podemos trabalhar pelas nossas crianças isoladas em casa, pela pandemia do Coronavírus que surpreendeu a sociedade a partir do final de 2019?

LOURDES ATIÉ – Partindo desse momento imprevisível, conturbado, já praticamente em uma segunda onda, não sabendo quando vai passar, embora se fale de um retorno, é preciso temperar esse “prato” família. Vou começar botando uma pitada de CORAGEM. A gente vive uma crise sem precedentes, que não sabemos quais consequências terá. Temos que acordar todos os dias com muita coragem. A segunda palavra é VÍNCULO. Precisamos agora de outra parceria entre a família e escola. Os pais estão preocupados. Acham que a criança pode ficar para trás.

CONFIANÇA NO TEMPERO

A segunda palavra nesse tempero é confiança. O que a escola está planejando e realizando foi cuidadosamente planejado por pessoas que há muitos anos estudam o desenvolvimento do ser humano. Não se precipitem, não se preocupem em alfabetizar, em escolarizar. Confie na escola. Aproveitem esse momento para descobrir outras coisas. O vínculo precisa ser feito com a colaboração. Se tiver dúvida, acione a escola. Não abandone a escola. Família e escola precisam estar absolutamente juntas. Os países que estão se saindo melhor na pandemia são os que tem o maior grau de escolaridade e o menor desigualdade social. O importante nesse momento não é a lição que a criança faz, mas que as famílias valorizem a escola e o conhecimento.

CASA NÃO É ESCOLA

Mais uma palavra, CRIATIVIDADE. A escola saiu do prédio, foi para casa, mas a casa não virou escola. Em casa a criança é uma pessoa. Aproveitem estar em casa para se relacionar com os filhos, descobrir coisas, não querer ser escola porque os pais não são professores. É hora de descobrir muitas coisas. Mais importante que o desenvolvimento cognitivo hoje é a saúde das pessoas.

Confiança na escola  faz pensar quanto é relevante esse sentimento. Algumas escolas tiveram iniciativas incríveis de ir atrás das crianças com as quais perderam o contato. A gente começa a entender como é importante a família e escola estarem perto. Eu pergunto: como é que a gente lida com as situações agora, de estar todo mundo no mesmo espaço, os pais tendo que trabalhar e cuidar da casa, as crianças tendo que estudar e brincar… Qual palavra como essas que você já usou você acrescentaria?

Olha, acho que a gente precisa mais uma palavra, agora com a pandemia, que é PACIÊNCIA. Na pré-pandemia, tudo era muito corrido, tínhamos horários muito pré-determinados. Tudo era muito acelerado. Arrumar criança, levar criança para a escola, ir trabalhar, voltar para preparar almoço, comer, voltar ao trabalho, sair do trabalho, buscar criança na escola… E a relação dos adultos com as crianças era sempre de ‘fez isso?’ – de checagem: já arrumou as coisas, já fez a lição de casa, já tomou banho… De repente, a gente ficou enfurnado num único espaço, sem sair para a rua, tendo que fazer nesse único espaço todas as atividades que a gente fazia em outros espaços.

CLAREZA DO MOMENTO

Aí é importante que a gente tenha claro que a escola segue ensinando as crianças, mas as crianças não estão na escola, elas estão em casa, onde as interações são muito diferentes das da escola. São interações imprevisíveis que podem acontecer. Tem crianças que podem estar em espaços bacanas, outras podem estar passando algum tipo de privação, de dificuldade. Por isso é muito importante a escola correr atrás da criança na hora que perde o contato. A gente não pode abandonar nesse momento nenhum aluno.

OUTRO OLHAR

As famílias precisam entender, como os professores, que a forma de aprender agora é muito, muito diferente.  Agora, pelo mundo virtual, é preciso ter outro olhar. O importante não é o que faltar, mas o que a gente conseguir. Outra palavra importante é ESCUTA. A gente precisa aumentar a nossa escuta. Ter uma escuta maior. A gente precisa se propor a aprender com as crianças. É o momento de desacelerar. Desocupar a mente. Parar de se questionar. Nós não sabemos nada mais. A vida ficou num nível de imprevisibilidade tão gigante que para manter um nível de saúde emocional, saúde mental, que a gente precisa parar de responder o que não é possível ter resposta.

TEMPO DE ENCONTRO

Entender esse momento em que estamos é como se a gente acendesse os nossos sensores. Tem uma história de tradição oral, que quem conta é um argentino, Jorge Bucay, que chama El Buscador. A história fala em somarmos momentos de prazer. A gente está tendo um tempo imprevisível. Devíamos muito mais colocar nossa energia em somar o tempo dos encontros. O tempo que uma criança pequena dança junto com o irmão porque ouviu uma música que deu prazer. O tempo que uma professora descobre um aluno que ela não tinha conseguido contato e pode falar com ele e os pais. O tempo que um aluno dá uma devolutiva a uma professora do que ela planejou e ficou muito legal…

MOMENTO DE CONEXÃO

Enfim, o que a gente tem que levar desse momento é o que a gente pode avançar, refletir e, acima de tudo, conectar com a escola e com a própria família. Entendendo que não existe um modelo de família ideal. Todas as família são “à moda da casa”. Com a pandemia, estamos falando em um momento de conexão. Ninguém melhora sozinho. A pandemia chegou para todo mundo e sem um esforço colaborativo universal nós não conseguiríamos sair disso. A vacina está sendo trabalhada por muitos cientistas. Os países estão se ajudando. A escola ajuda a família. A família ajuda a escola. É um movimento de conexão. Conexão planetária, na escola, na cidade, com os amigos, com os familiares. Enfim, o mundo se conectou.

Muito do que você diz me remete a um escrito que é um amado amigo, Rubem Alves, que dava pistas sobre o que a escola deveria ser. Ele faria uma escola com a característica de uma casa para as crianças vivenciarem o que de fato é importante na vida. A gente consegue com ele lembrar que é brincando que se aprende e os filhos levam para a vida deles exatamente aquilo que nós, como família, mostramos na convivência a eles… Tudo para dizer – como a família é relevante nesse tempo que estamos vivendo, desse jeito que estamos vivendo, reaprendendo a ser família.

Nessas múltiplas atividades dessa casa, que pode ser um laboratório, a outra coisa que a gente precisa aprender é que não precisamos ter resposta para tudo. A gente pode funcionar e aprender com as crianças que muito mais importante é ter indagações, perguntas. O que falta na escola brasileira é a gente colocar mais indagações e menos respostas. Espero que o fim dessa pandemia seja uma volta para a escola que na verdade não será a escola que a gente conhece, porque teremos que seguir protocolos sanitários. Será diferente da escola que a gente deixou. Mas do ponto de vista do conhecimento, que seja um espaço de indagações.  As famílias também não devem se preocupar em ter todas as respostas.

DESAFIO DA ESPERANÇA

É muito mais importante a gente ter boas perguntas, bons questionamentos, e buscar o entendimento e aquilo que não teve resposta pode ser uma boa conversa para levar à escola, considerando que os pais não são professores. Não são cientistas, são apenas pessoas e isso é muita coisa. Poder estar junto com os filhos é o que conta. O grande desafio é como nós professores, que estamos distantes da nossa forma de trabalhar, fomos preparados para ensinar presencialmente, olho no olho, abraçando, acalentando uma criança, dando bronca, limites para uma criança, é ver se a gente consegue seguir com esperança. O grande desafio é como, estando numa vida que não escolhi estar e gostaria que fosse diferente, apesar disso tudo, eu sigo com esperança?

Como é importante termos essa compreensão de que um momento de pandemia pode nos trazer uma nova reflexão sobre essas crianças.

Sim. Mas outra questão que preocupa, tanto para a escola quanto para a família, é saber se estamos fazendo certo. Será que estou fazendo certo? Será que é isso mesmo?  É mais do que justo que venha essa questão à nossa cabeça, é normal que venha, mas quero tranquilizar a todos porque ninguém sabe. Nesse tempo tão imprevisível e incerto, ninguém pode afirmar que está fazendo a coisa absolutamente correta. Temos muito mais dúvidas do que respostas. Não se preocupem. O importante é que a gente reflita sobre o que está fazendo. E que esteja fazendo o melhor. É o lugar do erro, de falhas e que bom, porque vínhamos de uma pré-pandemia muito cheia de verdades, achando que a gente sabia tudo da vida. Veio a pandemia para mostrar que basta estar vivo para não ter segurança alguma, como a gente ingenuamente imaginava que tinha. Agora, tem uma coisa que é inegociável, a autoridade. Tudo que falamos não significa que os pais vão abrir mão da sua autoridade. As crianças, os filhos, precisam de autoridade. 

 AUTORIDADE DEMOCRÁTICA

As famílias, os adultos, os pais, as mães, os avós, escolhem que tipo de autoridade vão exercer. Podem ser autoritários –  ‘vai fazer porque estou mandando e está acabado!’ –; pode fazer uma autoridade espontaneísta, frouxa, tipo “cada um faz o que quiser” , dois modelos que não fazem as crianças crescerem de uma forma saudável. A melhor autoridade é a democrática que não tem dúvida da relevância do seu papel, mas tem profunda escuta e profundo respeito pelo outro, a ponto de reconhecer quando errou. E é capaz de olhar para o filho e dizer – “Desculpa, filho, eu errei!”.  E é capaz e aprende com eles e também deixa claro quais são os valores inegociáveis para a família. É essa autoridade a gente espera da família. Que assuma o lugar do adulto que pode tanto ensinar quanto aprender na sua condição de adulto muitas coisas com seus filhos, seus netos.

(Fonte: Educação em Tempos de Pandemia #5/Foto: Reprodução)


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